Documento da Semana — O apoio público de empresários americanos ao aumento da repressão ditatorial no Brasil
Veja aqui o documento da semana em destaque! O apoio público de empresários americanos ao aumento da repressão ditatorial no Brasil.
Confira o documento na íntegra no nosso acervo: Telegrama de Robert F. Corrigan ao Secretário de Estado sobre a perspectiva de empresários à reação da imprensa estadunidense ao AI-5
Muitos têm a impressão de que os Estados Unidos foram um grande apoiador da ditadura brasileira. E, na realidade, sobretudo no início da ditadura, isso sem falar no próprio golpe de 1964 em si, o apoio de Washington foi bastante significativo. A partir do momento, porém, em que o regime dos militares passou a ficar crescentemente autoritário, jogando às favas algumas características básicas do Estado Democrático de Direito (habeas corpus, liberdade de imprensa, inviolabilidade de parlamentares, separação de poderes, etc.), como se daria com a decretação do AI-5, em dezembro de 1968, o governo norte-americano ensaiou mudar de postura, em que pese o fato de essa mudança não ter sido radical nem pública, além de não ter se sustentado ao longo do tempo (o governo Nixon, por exemplo, teria ótimas relações com o governo Médici).
O mesmo, porém, não se pode dizer do empresariado norte-americano radicado no Brasil. Nesse caso, o que se nota a partir da leitura da documentação oficial norte-americana é um apoio quase incondicional dos empresários ianques à ditadura militar, e isso mesmo nos seus momentos mais sangrentos e autoritários do regime, como no imediato pós-AI-5, por exemplo.
O documento desta semana ilustra essa característica de forma límpida. Trata-se de uma instigante conversa do Cônsul norte-americano em São Paulo com membros da Câmara Americana de Comércio (Amcham) dias após a decretação do Ato Institucional número 5 pelo governo Costa e Silva. Os empresários da Amcham estavam indignados com as críticas que vinham sendo veiculadas na imprensa norte-americana, em especial pelo jornal The New York Times, ao AI-5, e estavam discutindo a possibilidade de fazer algum tipo de manifestação pública e/ou intervenção privada junto ao governo norte-americano para expressar o quão enviesada seria a perspectiva dos jornais ianques, na medida em que o AI-5, na visão do empresariado, teria sido uma medida essencial para salvar a dita “Revolução” no Brasil.
A atuação do Cônsul norte-americano em São Paulo nessa conversa é interessante. O diplomata ianque buscou argumentar, de forma bastante enfática, contra qualquer tipo de intervenção pública ou privada dos empresários a favor do governo brasileiro e do AI-5, enfatizando que, sim, Washington havia ficado chocada com a medida porque os militares brasileiros não teriam agido como “heróis” para “salvar a Revolução”, mas sim como atores que teriam reagido de forma desproporcional e sem pensar sobre uma atitude legítima do Congresso brasileiro de não permitir que um dos seus membros fosse processado na Justiça a pedido do regime. Ao final da conversa, os empresários disseram que iam pensar sobre o que Cônsul havia dito.
Teriam eles reconsiderado sua posição? Na realidade, não. Dias depois a Amcham lançaria nota pública em apoio ao AI-5, ao governo brasileiro e criticando as considerações feitas pela imprensa ianque contra o novo Ato Institucional. Isso mostra certa independência de atuação de agentes privados norte-americanos no Brasil, e o grau de comprometimento desses agentes com o regime repressivo que se instalaria de forma ainda mais brutal no país a partir de dezembro de 1968.
Prof. Dr. Felipe Loureiro,
Vice-coordenador do NACE CNV-Brasil,
Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo