Documento da Semana — A despedida do embaixador Tuthill: Costa e Silva poderia estar “subestimando as forças em ação” no Brasil

Veja aqui o documento da semana em destaque! A despedida do embaixador Tuthill: Costa e Silva poderia estar “subestimando as forças em ação” no Brasil

Confira o documento na íntegra no nosso acervo: Telegrama de John Wills Tuthill ao Departamento de Estado de Washington D.C. sobre conversa com Arthur da Costa e Silva sobre desenvolvimentos recentes no Brasil

Identificados da esquerda para a direita: sentados, John Wills Tuthill, embaixador dos estados unidos no brasil (1º) e Humberto de Alencar Castelo Branco (2º)  / br_rjanrio_eh_0_fot_prp_08970

Após a decretação do AI-5 em dezembro de 1968, a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil se viu numa posição delicada. Ao mesmo tempo em que buscava manter o diálogo com o governo brasileiro, temia ser retratada como complacente ou não confiável. Além disso, o embaixador John Tuthill deixaria o posto antes da posse do republicano Richard Nixon como presidente dos Estados Unidos em 20 de janeiro de 1969.

No documento desta semana do NACE CNV-Brasil, datado de 9 de janeiro de 1969, Tuthill envia um telegrama ao Departamento de Estado em Washington descrevendo o encontro de despedida que teve com o presidente Costa e Silva no antigo Palácio Imperial de Petrópolis (residência de verão de D. Pedro II, atual Museu Imperial), no qual trataram da conjuntura política latino-americana, brasileira e do endurecimento da ditadura.

Costa iniciou o diálogo dizendo que Tuthill estava deixando o Brasil num momento em que a América Latina dava uma impressão confusa: Colômbia em estado de sítio, além de Peru, Bolívia, Argentina e Brasil sob “regimes excepcionais”. Ao ser indagado se havia alguma mensagem a ser transmitida ao governo dos Estados Unidos, o presidente retrucou afirmando que o embaixador, como alguém que tinha vivido no país, deveria ser capaz de explicar a “situação inteira” a Washington e que havia “tranquilidade completa” no país. Reclamou da “classe política” – afirmando que queriam desfazer as realizações da “Revolução” – e da imprensa, mesmo com a existência da censura. Lembrou que os militares no Brasil tradicionalmente desempenharam papel político, garantiu que haveria uma sucessão presidencial conforme a Constituição de 1967 e que o Brasil era, naquele momento, um verdadeiro amigo dos EUA.

Ao comentar esse encontro, Tuthill afirmou que era difícil saber o quanto Costa estava “convencido (ou tentando se convencer)” de que ele poderia conter agitações dentro das Forças Armadas. Para o embaixador, o presidente poderia “estar muito bem subestimando as forças em ação” no país. O agravamento da doença de Costa e Silva e seu posterior afastamento, a posse de uma Junta com os chefes das três Armas (no lugar do vice-presidente civil), o sequestro do embaixador norte-americano (sucessor de Tuthill), em setembro, e a reabertura do Congresso Nacional, somente no final de outubro para referendar o nome do general Médici como presidente da República, demonstram o grau da radicalização da luta política, aumento da repressão e incerteza durante esse período específico da ditadura brasileira.

Prof. Dr. Gianfranco Caterina,

Pesquisador do NACE CNV-Brasil,

Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo

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