Documento da semana! A legitimação do governo golpista de Castello Branco: Lincoln Gordon e o governo dos Estados Unidos
Confira o documento na íntegra no nosso acervo: Telegrama de Dean Rusk para a Embaixada dos EUA no Rio de Janeiro sobre desenvolvimentos no Brasil

A legitimação do governo golpista de Castello Branco: Lincoln Gordon e o governo dos Estados Unidos
O governo dos Estados Unidos cumpriu papel importante no Golpe empresarial-militar de 1964. Essa influência foi além da dimensão política e ideológica, para incluir também a promessa de apoio logístico às atividades golpistas e de reconhecimento e ajuda econômica ao governo ilegítimo que viria a ser constituído. Além disso, o embaixador norte-americano no Brasil, Professor Lincoln Gordon – acadêmico de prestígio e um dos formuladores da Aliança para o Progresso, braço de ajuda econômica condicionada implementado no início da década – teve um papel central na tentativa de legitimar o governo golpista de Castelo Branco, com quem tinha uma relação próxima, junto ao Congresso e mesmo à opinião pública norte-americana.
As ações de legitimação da realidade pós-Golpe conduzidas por Gordon foram efetivas e por um bom tempo o governo dos EUA manteve uma visão de que o governo militar deveria ser apoiado quase que incondicionalmente, ou que pelo menos críticas não deveriam ser feitas de maneira pública mas, sim de forma privada, entre amigos. Após a saída de Gordon da posição de embaixador no Brasil em 1966, contudo, as coisas começaram a mudar, pelo menos um pouco; especialmente a partir da chegada do novo embaixador, John W. Tuthill, que daria início a um processo de revisão da atuação e presença massiva de funcionários do governo dos EUA no país. Assim embora os EUA continuasse a ser um dos principais apoiadores do regime, aos poucos, as ações de Tuthill davam vasão a uma imagem mais ambígua sobre a realidade brasileira em Washington.
O quadro local era mesmo complexo já que embora continuasse a executar uma agenda econômica alinhada aos interesses do grande capital multinacional, o país passava a viver sob medidas cada dia mais autoritárias, especialmente após a decretação do Ato Institucional No. 5, de 13 de dezembro de 1960 que, ao suspender liberdade individuais, permitir intervenções política de quase toda natureza e oficializar prisões e execuções extra-judiciais, por fim a quase que a totalidade de um estado de direito liberal ainda existente. Foi nesse quadro que o Departamento de Estado dos EUA, no dia 17 de dezembro do mesmo ano, envia uma telegrama para suas representações diplomáticas no Brasil, instruindo-as sobre qual deveria ser o entendimento do novo quadro político criado pela decretação do AI-5.
Em primeiro lugar o telegrama afirmava que o quadro brasileiro seria mais duro do que o existente em outros regimes de exceção no hemisfério. A seguir, o documento pede informações sobre a possibilidade de que algum ator possa ser ao mesmo tempo racional e influente suficiente a fim de moderar o curso dos eventos, afirmando que talvez fosse o caso de buscá-los na sociedade civil, em especial na imprensa e na igreja.
O texto do telegrama ainda pergunta sobre o grau de unidade do regime e afirma que embora Washington não estivesse contente com a situação, demonstrações de tal descontentamento devesse ser feita de forma suave. De fato, ecoando o otimismo (cínico ou sincero?) que o embaixador Gordon expressou junto ao Congresso norte-americano logo após do Golpe a fim de justificar apoio ao novo regime, embora iniciando em teor crítico, o telegrama reafirma, por fim, sua esperança de que em breve as coisas possam voltar ao padrão histórico de moderação típico da política brasileira.
Assim, demostrando de forma clara as contradições recorrentes na política externa norte-americana, o Departamento de Estado decide que a relação bilateral entre os países devesse continuar, especialmente em alguns programas estratégicos – entre eles a continuação da ajuda externa, ainda que junto a um regime cada dia mais autoritário.
Rafael R. Ioris, Ph.D.
Professor de História e Política Latino-Americana
Universidade de Denver