Documento da Semana — A liberação de uma parcela com “significado político especial”
Veja aqui o documento da semana em destaque! A liberação de uma parcela com “significado político especial”
Confira o documento na íntegra no nosso acervo: Telegrama de John W. Tuthill ao Departamento de Estado dos EUA sobre reações à retirada de assistência financeira

Presidente Humberto de Alencar Castelo Branco (1964-1967) fora do Palácio da Alvorada: John Wills Tuthill, embaixador dos Estados Unidos no Brasil, entrega credenciais ao presidente, Palácio do Planalto, Brasília, DF. – BR_RJANRIO_EH_0_FOT_PRP_08970
Ao longo do ano de 1968, no Brasil, protestos estudantis, greves e diversas manifestações de rua emergiram evidenciando insatisfação com o cenário político. O presidente Costa e Silva acenava a decretação de estado de sítio como resposta às manifestações dos estudantes. Ao mesmo tempo, com o aumento da repressão, cresciam denúncias de tortura e abusos. Novas ações da esquerda armada e mobilizações organizadas pela sociedade civil pressionavam o governo que responderia de forma agressiva e desproporcional, em dezembro de 1968, com a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5).
No documento desta semana do NACE CNV-Brasil, datado de 6 de janeiro de 1969, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, John Tuthill, envia um telegrama ao Departamento de Estado em Washington enumerando e analisando as possíveis reações no Brasil ao adiamento de uma parcela da assistência financeira norte-americana, no valor de US$ 50 milhões, após a decretação do AI-5.
Diante de um cenário doméstico tão tensionado, Tuthill afirmava que a liberação da parcela tinha um “significado político especial” e “urgia fortemente” que a decisão fosse tomada no contexto mais amplo dos objetivos e táticas da política norte-americana para o Brasil. O timing da concessão devia levar em conta um “delicado equilíbrio” entre os riscos de dar a impressão de “complacência” frente ao AI-5 ou um questionamento sobre a confiabilidade do governo dos EUA.
Ele constatava uma “significativa xenofobia latente entre os militares linha-dura”, os quais queriam reduzir a presença estrangeira no país. Se houvesse, segundo Tuthill, a percepção de corte do auxílio econômico, esses atores poderiam sair fortalecidos. Isso poderia dificultar a atuação de ministros como Delfim Netto (Fazenda) e Macedo Soares (Indústria e Comércio) que reconheciam a importância do investimento estrangeiro para o desenvolvimento nacional. Ponderava, por outro lado, que uma postura discreta do governo dos Estados Unidos poderia servir para “fortalecer” os brasileiros que estavam buscando “induzir” Costa e Silva na direção de uma abertura democrática.
Concluía deixando claro que não era possível “prever exatamente quando a parcela” deveria ser liberada para “efeito ótimo no governo brasileiro”. A Embaixada, segundo Tuthill, continuaria a avaliar o assunto diariamente, reconhecendo que teria de tomar uma “decisão definitiva num futuro próximo”. A vitória do republicano Richard Nixon nas eleições presidenciais e a saída de Tuthill do posto poucos dias após o envio desse telegrama mudariam o cenário das relações bilaterais de forma significativa.
— Prof. Dr. Gianfranco Caterina,
Pesquisador do NACE CNV-Brasil,
Pós-doutorando no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo