Documento da semana! De golpista a democrata: Carlos Lacerda e sua incansável busca ao poder
Confira o documento na íntegra no nosso acervo: Telegrama aéreo de John Wills Tuthill para o Departamento de Estado dos Estados Unidos sobre Carlos Lacerda e o banimento da Frente Ampla através da Portaria No. 177/1968
De golpista a democrata: Carlos Lacerda e sua incansável busca ao poder
Um dos desenvolvimentos políticos que mais chama a atenção na ditadura brasileira é o processo de transformação de políticos civis golpistas em “democratas” a partir do momento em que seus projetos de ascensão política se veem bloqueados pelo autoritarismo do regime.
Talvez nenhum caso tenha sido tão flagrante nesse sentido quanto o do ex-governador da Guanabara, Carlos Lacerda, que fora um dos principais articuladores civis do golpe de 1964, fortemente responsável pelo clima golpista que emergiu pós-eleições gerais de outubro de 1965, e que, a partir de 1966, sobretudo com o início do governo Costa e Silva, se reconciliaria com antigos inimigos políticos – em particular os ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart –, e começaria a lutar pela redemocratização do país, com foco no retorno de eleições diretas para a presidência da República.
O principal veículo institucional usado por Lacerda por esse fim foi a chamada Frente Ampla – um grupo suprapartidário criado em 1966 e que reuniu lideranças com direitos políticos suspensos, além de membros do então recém-criado Movimento Democrático Brasileiro (MDB), em prol do retorno da democracia.
No documento da semana de hoje trazemos um exemplo de relatório detalhado do escritório da Embaixada norte-americana em Brasília explicando como se deu o processo de desarticulação da Frente Ampla por parte do governo Costa e Silva em abril de 1968 – a primeira de muitas ações arbitrárias da segunda administração ditatorial que desembocariam, no final do mesmo ano, na decretação do temido Ato Institucional número 5 (AI-5).
Interessantemente, como o relatório da Embaixada analisa de maneira pormenorizada, a administração Costa e Silva decidiu banir a Frente Ampla não de forma direta, proibindo uma organização com finalidades semelhantes de existir per se, mas, ao contrário, utilizando-se de instrumentos dos Atos Institucionais já decretados (AI-1 e AI-2 em particular) para justificar a proibição de lideranças que tiveram seus direitos políticos cassados, como era o caso dos ex-presidentes Kubitschek e Goulart, de atuarem na Frente, além de proibir o uso do nome “Frente Ampla” dali em diante.
Lacerda, por sua vez, em teoria não teve seu direito de participação política restringido com o édito do governo; na prática, porém, a ação de Costa e Silva marcaria o início do processo de desarticulação da Frente Ampla, que, a partir dali, deixaria de existir enquanto organização suprapartidária. Lacerda acabaria tendo seus direitos políticos suspensos por 10 anos com o AI-5, sofrendo o mesmo destino de seus antigos adversários políticos, JK e Jango.
Prof. Dr. Felipe Loureiro,
Vice-coordenador do NACE CNV-Brasil,
Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo