Documento da Semana — É preciso dar um jeito, meu amigo¹: A vigilância e os desaparecimentos da família Paiva
Veja aqui o documento da semana em destaque! É preciso dar um jeito, meu amigo: A vigilância e os desaparecimentos da família Paiva
Confira o documento na íntegra no nosso acervo: Telegrama Aéreo enviado por William Manning Rountree para o Departamento de Estado sobre o caso D’Alembert Jaccoud

Jornal do Brasil (RJ) – Ano 1978\Edição 00197
Sob o anúncio de secret na abertura, o documento de 27/09/1971 trata da prisão do correspondente do New York Times, D’Alambert Jaccoud. A vigilância costumeiramente empreendida pelo Departamento de Estado dos EUA verificou em conversa entre o advogado de defesa do prisioneiro, Claudio Lacombe, e o Cônsul de Salvador, Alexander F. Watson, que a prisão teria se dado pela ligação de D’Alambert com uma integrante da família Paiva, mais especificamente em razão de um suposto relatório que teria sido passado ao jornal relatando o caso de Rubens, levado de dentro de sua residência pelas forças de segurança em janeiro daquele ano e nunca mais visto.
Ao longo da redação, Rubens Paiva figura duas vezes: em ambas, aparece como “ex-deputado” (Federal Deputy) e “assassinado pelas forças de segurança” (murder by security forces). De fato, como parlamentar do PTB teve seu mandato cassado e direitos políticos suspensos pelo art. 10 do Ato Institucional nº 1, com o golpe de 1964. A prova contundente sobre seu assassinato, contudo, segue inexistente, já que o destino de seu corpo nunca foi revelado, embora sua entrada no DOI fique atestada em documento analisado pela Comissão Nacional da Verdade (2014, p. 523).
Como fica evidente no recente Ainda estou aqui, o desaparecimento do engenheiro e pai causou uma lacuna profunda em toda a rede familiar: a ausência do corpo também significou ausência de resposta, rendeu a cada integrante do clã a tarefa de promover um luto individual com ferramentas simbólicas precárias, como observar a cena da doação dos objetos pessoais de Rubens.
Chama a atenção no documento, por outro lado, a menção a outra pessoa, igualmente citada em duas ocasiões. A “viúva de Paiva” (Paiva’s widow) ou “esposa de Rubens Paiva” (Rubens Paiva’s wife) é a figura que sustenta o argumento de Lacombe sobre a motivação da prisão de D’Alambert. Anos mais tarde, a viúva do jornalista, Gioconda Metoni, relatou que seu marido acompanhava a chefe da família Paiva em atividades de denúncia.
Maria Lucrécia Eunice Facciola Paiva. Esse é o nome completo da mulher que não tem sua identidade enunciada nem uma única vez no documento. É esse o nome que ela repete por 12 dias enquanto presa no DOI-CODI/RJ logo após a captura de Rubens. Sua atuação contundente permitiu o atestado de óbito que registra a morte de Rubens Paiva em 1996 e contribuiu para a promoção da memória do período da ditadura.
¹ A canção É preciso dar um jeito meu amigo (1971) de Erasmo Carlos e Roberto Carlos compõe a trilha sonora do filme Ainda estou aqui.
Profª Drª Paula Franco
Coordenadora-Geral de Políticas de Memória e Verdade
Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania