Documento da semana! Justiça Militar e segurança nacional durante a ditadura sob a perspectiva norte-americana
Confira o documento na íntegra no nosso acervo: Telegrama aéreo de John W. Tuthill para o Departamento de Estado sobre a atuação do sistema judiciário militar

Justiça Militar e segurança nacional durante a ditadura sob a perspectiva norte-americana
Uma das coisas mais impressionantes da documentação norte-americana sobre a ditadura militar brasileira é a capacidade informacional que a Embaixada e os Consulados dos Estados Unidos no Brasil tinham sobre o regime autoritário. Um exemplo claro nesse sentido é o conjunto de relatórios de grande profundidade que o pessoal diplomático fazia sobre diferentes aspectos do cotidiano social e institucional da ditadura militar.
No documento da semana do NACE CNV-Brasil traremos, ao longo do próximo mês, alguns exemplos notáveis de relatórios de fôlego produzidos pelo pessoal diplomático norte-americano no Brasil com foco na ditadura brasileira. Nesta semana, o documento trata do sistema da Justiça Militar no Brasil.
No âmbito da Justiça Militar, um dos marcos fundamentais é o Ato Institucional no. 1, de 9 de abril de 1964, que requeria investigação de cidadãos brasileiros por crimes de subversão. Em razão disso, seriam abertos inúmeros Inquéritos Policiais-Militares (IPM) sobre diferentes instituições e personalidades brasileiras nas semanas imediatamente posteriores ao golpe de 1964, a fim de aferir a responsabilidade delas em crimes de subversão e também em crimes de corrupção.
Os IPMs, porém, não eram cortes “revolucionárias”, mas apenas órgãos de investigação. Uma vez terminada a investigação, esta deveria ser encaminhada para cortes civis ou militares, a depender do tipo de crime cometido. Como a legislação que permitia julgamento de civis por cortes militares era bastante restrita, casos enviados indevidamente às cortes militares acabavam sendo recusados pelo fato de estarem contrários às determinações da lei.
Esse, então, passaria a ser um dos clamores dos radicais do regime: permitir com que civis fossem processados de forma mais ampla por cortes militares. Isso acabaria sendo permitido pelo Ato Institucional no. 2 e depois ratificado pela Constituição de 1967 e pela Lei de Segurança Nacional de 1967, todos criados pelo governo Castello Branco. A partir de então havia se tornado possível julgar civis que tivessem cometido crimes contra a “segurança nacional”, e não apenas contra a “segurança nacional externa”, como acontecia com a antiga Lei de Segurança Nacional de 1953.
Como “segurança nacional” é um conceito bastante amplo, e deixado propositadamente vago, o que se viu foram situações diversas, de subversão armada a protestos de rua, de manifestações intelectuais e jornalistícas a suspeitas de corrupção, serem enquadrados na caixinha “segurança nacional” e, com isso, sendo legalmente – mas não legitimamente – enviados para julgamento a cortes militares. O regime dava um passo decisivo rumo à securitização da sociedade e ao desrespeito de direitos civis básicos dos cidadãos brasileiros.
Prof. Dr. Felipe Loureiro,
Vice-coordenador do NACE CNV-Brasil,
Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo