Documento da semana! Os Deuses Malditos das disputas de poder na ditadura: general Albuquerque Lima e a sucessão presidencial
Confira o documento na íntegra no nosso acervo: Telegrama de William M. Rountree para o Secretário de Estado sobre o jantar de despedida de Albuquerque Lima após sua aposentadoria forçada

Os Deuses Malditos das disputas de poder na ditadura: general Albuquerque Lima e a sucessão presidencial
O general de linha dura ultranacionalista, Affonso de Albuquerque Lima, talvez tenha sido uma das ameaças mais sérias que a ditadura tenha enfrentado do ponto de vista da manutenção da unidade militar, e do respeito à hierarquia e disciplina castrenses.
Admirado por muitos oficiais dos baixo e médio escalões, entre os quais capitães, majores, tenente-coroneis e coroneis, Albuquerque Lima por pouco não conseguiu forçar seu caminho para a presidência em setembro de 1969, durante a crise política pós-derrame do presidente Costa e Silva, e que resultaria na ascensão do general Médici ao poder.
Um dos empecilhos institucionais para que Albuquerque Lima ascendesse à presidência, para além do fato de ser mal quisto pelo alto generalato, era o fato de que ele ainda não havia atingido o topo da carreira militar, sendo apenas general-de-divisão (três estrelas), e não general-de-exército (quatro estrelas).
Quando Médici virou presidente, em outubro de 1969, ele e seu draconiano ministro do Exército, Orlando Geisel, agiriam de forma duríssima contra Albuquerque Lima. De acordo com as regras do Exército à época, um militar não poderia passar um determinado período na mesma patente. Se não fosse promovido, deveria ir para a aposentadoria compulsória. E foi exatamente o que Médici e, sobretudo, Orlando Geisel fizeram: não promoveram Albuquerque Lima para general-de-exército em novembro de 1970, obrigando-o a se aposentar de forma compulsória em março de 1971.
O documento desta semana do NACE CNV-Brasil traz esse episódio crucial da história da ditadura militar, momento chave em que o governo Médici conseguiu consolidar a hierarquia na caserna. O documento relata um jantar de despedida organizado para Albuquerque Lima no Rio, e o duríssimo discurso feito pelo general criticando a ditadura pela decisão de aposentá-lo.
Interessantemente, assim como já havia ocorrido com vários casos de militares linha dura, aqueles que antes eram radicais de direita passariam a defender o fim do arbítrio e do autoritarismo assim que foram colocados para fora do jogo político militar. Albuquerque Lima, por exemplo, criticaria o AI-5 nesse seu discurso.
Um último elemento interessante do documento da semana é a referência que o observador da Embaixada ianque faz ao filme de Lucchino Visconti, Os Deuses Malditos. Em contraste com o que a imprensa havia noticiado, o observador encontrou não mais que 200 presentes, muitos dos quais oficiais da reserva, e poucos da ativa.
O clima no público é o que mais chamou a atenção do observador, e daí vem a referência ao filme. Os Deuses Malditos conta a história de uma tradicional família empresarial germânica que, por ganância ao poder e ao dinheiro, acaba se entranhando nas garras do nazismo, transformando-se, ao final, em seres sem moral e quase sem vida. Para o observador ianque do jantar de Albuquerque Lima, esse era o clima presente no jantar de despedida do general.
Prof. Dr. Felipe Loureiro,
Vice-coordenador do NACE CNV-Brasil,
Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo