Meira Mattos: um “bom retrato” das lideranças militares brasileiras
Veja aqui o documento da semana em destaque! — Meira Mattos: um “bom retrato” das lideranças militares brasileiras
Confira o documento na íntegra no nosso acervo: Telegrama enviado por Stephen Low para a Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro sobre sua conversa com Meira Mattos e Rosalvo Jansen

A decretação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, escancarou uma disparidade entre percepções de diplomatas norte-americanos baseados no país e lideranças militares brasileiras.
No documento desta semana do NACE CNV-Brasil, datado de 23 de dezembro de 1968, o diplomata norte-americano Stephen Low envia um telegrama à Embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro reportando o encontro que teve com o general Meira Mattos, na residência deste, no qual também estava presente o coronel Rosalvo Jansen. Veterano da FEB, próximo ao grupo castelista, interventor federal em Goiás (1964-65) e comandante das forças brasileiras durante a intervenção da OEA na República Dominicana em 1965, Meira Mattos era uma figura influente na formação de quadros do Exército e tornar-se-ia um dos principais teóricos da geopolítica brasileira nas décadas seguintes.
Para Low, as observações de Mattos forneciam um “bom retrato” do ponto de vista das lideranças brasileiras. Nesse encontro, Mattos teria afirmado repetidamente que subversão era uma ameaça nova para as democracias. O general acreditava que grupos de contestação ao regime poderiam se desentender, mas que se uniriam ao final quando a vitória estivesse próxima. Prosseguiu dizendo que o Brasil deveria fazer nos próximos 30 anos o que fosse necessário para se tornar uma nação desenvolvida ou perderia essa chance para sempre. Relembrou que fez parte do movimento de 1964, asseverou que o Brasil estava num longo processo revolucionário e que havia incerteza a respeito do futuro.
O diplomata então mencionou a “grande preocupação” nos EUA com o futuro no Brasil em relação à questão dos direitos humanos, órgãos representativos e de proteção ao Judiciário. Mattos retrucou que o Congresso deveria reabrir em 1º de março (reabriria somente em 31 de outubro) após ser saneado, sendo que o mesmo deveria ocorrer com o Poder Judiciário. O norte-americano anotou em seu relato que era duvidoso o poder decisório do Congresso naquele contexto – mesmo reaberto – e o status da Constituição de 1967.
Low reiterou que o AI-5 foi um “grande choque” para os EUA. Mattos teria retrucado: os EUA querem um Brasil democrático ou socialista? Ocorrendo o segundo, de acordo com o general, toda a América do Sul seria infectada. Low concluiu a conversação dizendo que tinha a impressão de que os pontos de vista norte-americano e brasileiro estavam “muito distantes” naquele momento e que um cuidado especial para manter máxima comunicação era importante. Sem dúvida, a percepção de Meira Mattos era realmente um “bom retrato” da média das lideranças militares brasileiras. Uma lógica de luta de caráter existencial e na qual toda ação política era causada, explicada ou derivada de um conflito bipolar que, na verdade, ganhava crescente complexidade internacional no final dos anos 1960.
Gianfranco Caterina,
Pesquisador do NACE CNV-Brasil,
Instituto de Relações Internacionais da USP