Tensões Políticas e Influência Externa: O Monitoramento dos EUA sobre o Brasil em 1969
Veja aqui o documento da semana em destaque! — Tensões Políticas e Influência Externa: O Monitoramento dos EUA sobre o Brasil em 1969
Confira o documento na íntegra no nosso acervo: Memorando de conversação entre William A. Ellis e Roberto Campos sobre a situação política e econômica brasileira e suas implicações para os programas de assistência norte-americanos

O documento é um memorando confidencial de conversa datado de 24 de janeiro de 1969, entre William A. Ellis e Roberto Campos. Ellis era representante da USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) no Brasil, enquanto Campos havia sido ministro do Planejamento do governo Castello Branco, destacando-se como um dos principais artífices das reformas liberalizantes da economia entre 1964 e 1967.
A conversa ocorreu em um momento de controvérsia dentro do governo Costa e Silva, caracterizado pela guinada nacionalista e estatista em diversas áreas, como a economia e a política externa, em contraste com as políticas implementadas durante o governo anterior. O presidente Costa e Silva, representante da linha dura, criticava abertamente a ala moderada ligada a Castello Branco. Ainda assim, em janeiro daquele ano, o Ministro do Interior, Albuquerque Lima, também identificado com a linha dura, pediu demissão do cargo em protesto contra as políticas de Delfim Netto, ministro da Fazenda, e de Mário Andreazza, ministro dos Transportes e figura central em projetos de infraestrutura do regime, além de potencial sucessor de Costa e Silva. Albuquerque Lima criticava, em especial, a redução da parcela destinada aos municípios e estados no Fundo de Participação, uma medida que, segundo ele, prejudicaria os estados do Norte e Nordeste.*
Em suas memórias, Roberto Campos fornece mais detalhes sobre o encontro relatado com Albuquerque Lima, em meados de 1968: “Para minha surpresa, Albuquerque Lima pôs-se a criticar asperamente o presidente Costa e Silva. ‘Nós, da linha dura’ — disse-me ele — ‘cometemos um erro de pessoa. Castello é que era o duro e honesto. Costa e Silva é um molengão, incapaz de disciplinar sua própria família.’” Além disso, Lima já estava em conflito com Delfim Netto, alegando insuficiência de verbas para a Sudene e acusando a ala econômica do governo de submissão a interesses de “grupos econômicos poderosos”. **
Campos via a saída de Albuquerque Lima como uma perda significativa para o governo, considerando-o um dos administradores mais competentes do regime, algo raro no contexto do governo Costa e Silva. Ele expressava também uma opinião negativa sobre Andreazza, avaliando que as críticas a este último eram justificadas devido ao fraco planejamento e à administração deficiente.
O contexto do encontro também foi marcado pela repressão intensificada pelo Ato Institucional nº 5, decretado em 1968, e que contou com as assinaturas tanto de Lima quanto de Delfim Netto e Andreazza. Campos destacava o paradoxo de uma euforia com o crescimento econômico contínuo contrastando com a inquietação provocada pelos desdobramentos políticos. A observação sobre uma desaceleração nas decisões de novos investimentos apontava para uma falta de confiança empresarial diante da incerteza política. Essa conjuntura refletia a natureza autoritária e centralizadora da ditadura, que gerava desconfiança mesmo entre as elites econômicas.
Por fim, o memorando evidencia o monitoramento próximo dos Estados Unidos sobre a situação política e econômica do Brasil, aliado estratégico no contexto da Guerra Fria. A USAID desempenhava um papel importante na assistência técnica e financeira ao país, especialmente em programas alinhados às políticas econômicas da Aliança para o Progresso, voltados para o combate ao comunismo na América Latina. A preocupação com a estabilidade política brasileira estava diretamente relacionada aos esforços norte-americanos para garantir que o país permanecesse alinhado aos interesses ocidentais e anticomunistas.
* A CARTA renúncia subirá amanhã. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 26 jan. 1969, p. 3.
** CAMPOS, Roberto. A lanterna na popa memorias. Topbooks, 1994. p. 886-887.
Renato Ribeiro
Pós-doutorando no Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo